Mais um dia de trabalho se encerrava
para o jovem Samuel. Resolveu ir à capela antes de recolher em seus aposentos.
Estar em um castelo, ainda que como carteiro real, alimentava seus desejos de
ser algo mais, para finalmente conseguir a atenção da sua amada rainha.
Era errado, ele sabia, mas não
conseguia evitar tê-la em seus mais belos pensamentos. E lá estava o jovem
novamente no ambiente santo, para mais uma vez discutir com Deus seu amor tão fora da
lei. Não sabia o motivo pelo qual se sentia extremamente atraído por uma mulher
bem mais velha que ele, mas não existia beleza juvenil que chegava aos pés de tamanha
elegância de sua amada. E sem dúvida, ela era bonita, de uma forma que Samuel
não entendia, mas a ponto de deixá-lo completamente paralisado. Extremamente
confuso e sem mais argumentos para a discussão diária, foi se deitar.
No dia seguinte, em meio a uma
tempestade só não mais tenebrosa que seus pensamentos, foi realizar mais uma
entrega real; e, apesar de todas as dificuldades que o dia apresentava,
conseguiu chegar a tempo de ver sua rainha na biblioteca admirando a vista
privilegiada do pôr do sol. Dessa vez, seus olhos não se perderam nas belas
curvas por trás das roupas tão luxuosas, eles foram direto à delicada face, que o
fitava incessantemente. Logo depois da janela fechada que interrompeu a quase
valsa dos olhares, e com aquela imagem real, encostou-se a uma árvore
do bosque e acabou adormecendo.
O vitral todo colorido e iluminado da
biblioteca possuía uma vista privilegiada do bosque e do rio ao fundo, era com
certeza uma das partes mais bonitas do castelo e também, a que Inês mais frequentava.
Mais precisamente todo fim de tarde, com a desculpa de que, dali o pôr do sol
era mais bonito. E realmente era, mas o pôr do sol não era tão interessante
quanto aquele jovem camponês que trazia religiosamente neste mesmo horário as
correspondências do castelo.
Recolhida naquele aposento observando
a chegada do jovem rapaz, humilde por natureza, mas de uma beleza nobre,
sentia-se entorpecida por um desejo inexplicável, o queria para si. Era rainha,
tinha tudo o que queria, mas receava tê-lo, mandava em tudo e em todos, menos
em seu coração que ardia ao vê-lo chegar. Desta vez, demorou um pouco mais com
seus olhos sobre o rapaz, e seus olhares se encontraram.
Um pouco atordoada e sem saber o que
sentir, fechou o vidro rapidamente, assentou-se numa cadeira e
involuntariamente observou tudo ao seu redor. Aqueles quadros tradicionais de
família, os símbolos, brasões da realeza, tudo muito peculiar de uma vida que a
escolhera, sem ao menos perguntar se ela a aceitava, sufocava suas vontades,
ocultava ainda mais seus desejos. Toda aquela exaustão de pensamentos a fez
adormecer, ali mesmo.
Como parte da sua rotina, Samuel está na capela, mas
dessa vez em silêncio, ajoelhado, rendido a suas discussões divinas de que nada
adiantavam. Percebeu que alguém se aproximava, mas não se mexeu, imaginando ser
alguma camponesa devota; a proximidade de tal presença o incomodou, e quando se
virou para confirmar sua dúvida, encontrou-se com aqueles olhos reais, e mais
uma vez, tal beleza o deixou paralisado.
Inês sorrindo, disse:
- Aqui diante deste pedestal santificado, ocupando teu lugar de
mensageiro, trago-te um recado do meu coração. Que Deus nos perdoe se isto for
errado, ou que nos abençoe se for certo, mas dentro de meus sonhos, amar nunca
foi pecado, anseio por um beijo seu. Vou te envolver nos cabelos, vem perde-te
em meus braços, pelo amor de Deus. Não temas minha vida nobiliárquica, pois
mais nobre do que isto, é meu sentimento por ti.
E Samuel, sem hesitar, confessou:
- Ah, como eu quero lhe dizer que custou tanto penar esse nosso encontro
entre tantos desencontros. Eu quero lhe falar que de tanto lhe esperar eu
almejei
inúmeras tempestades superadas, vitórias nas batalhas invencíveis e até conseguir
deixar Deus sem palavras, só para ser digno de seu amor, minha rainha.
- Não, meu jovem. É assim que te quero: fraco, tolo,
todo, meu.
Uma despindo-se de sua realidade, e outro de suas
fantasias, deram-se as mãos e foram ao encontro do sonho que, mesmo separados,
sempre os uniram.