Teatro lotado! Todos estavam ali - todos mesmo (e suas inconveniências, seus medos, suas imperfeições... é claro!). Era como se a bailarina olhasse para a plateia e visse cada um deles arrumado especialmente para assistir seu grande espetáculo- aquele, é... aquele mesmo feito para revelar exatamente quem ela era.
Tamanha perfeição a posicionava num patamar acima de qualquer distinto cidadão que estalava seus atentos olhos esperando o momento certo para aplaudir. Pense em algum possível "defeito"... acredite, ela não tinha! E todos estavam presentes para ouvir isso enquanto acompanhavam os belos movimentos da exímia bailarina.
Atordoada com tantas imperfeições ali presente, a artista não conseguiu prosseguir. Estaticamente olhava para a plateia e sabia de cada detalhe que faziam todos ali um lixo diante dela, mesmo nada estando visível, mas era como se tivesse uma visão raio x para defeitos. Foi então que começou a gritar:
- PEREBA, LOMBRIGA, AMEBA, COCEIRA, FRIEIRA, PIOLHO, REMELA... POR QUE ESTÃO ME OLHANDO, HEIN? MEDO DE SUBIR? MEDO DE CAIR? AH... JÁ SEI! MEDO DE VIVER!!!
A música clássica aumentava a cada grito, para desespero de todos - inclusive da menina, que corria, e pulava, e girava, com movimentos cordialmente calculados e atordoados. Ela estava confusa, não sabia onde se encontrava, não sabia para onde olhava... Foi então que deitou sua cabeça no chão do palco e a cobriu com seus braços, querendo proteger um pouco mais seus pensamentos de tanto desnorteio.
Bastaram apenas 17 segundos para que a menina se aprumasse. Diante dos seus olhos, o esplendoroso espelho magenta perolado acoplado à cômoda (exatamente onde estava a caixinha de música com a impecável bailarina, presente de 16 anos de seu padrinho) e ao seu lado esquerdo, a cama continuava intacta com um vistoso lençol fucsia estendido até o macio e confortável travesseiro de espuma de látex (do mesmo jeito que sua mãe deixara no início da manhã enquanto a adolescente, no penúltimo ano do colégio e se preparando para o tão temido vestibular, elaborava a polêmica redação em que narrava o que, talvez, fosse seu maior sonho: a perfeição).
Sonho? Quem não tem? Boa noite!
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