terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Lola


     Nossa história era assim: páginas de um livro cuidadosamente escrito com a caligrafia mais bonita e mais complexa. Porém, tanto esmero sempre foi desnecessário. Você chegava e me arrancava as páginas.
     Não era como um romance que costumava ler nas diversas histórias literárias de meu caminho acadêmico; não era como um filme de Fellini, um soneto de Vinícius ou uma sinfonia de Beethoven. Era você e éramos nós.
     E você chegava com suas páginas, seus livros, suas sinfonias e me fazia não saber nada do que sabia, por ser você, por sermos nós.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Folhetim (Versão 2)


     Lúcia nunca fora o tipo de mulher que se dava bem com relacionamentos duradouros. Talvez seu mais profundo desejo seria que algum desses poucos que teve tivesse dado certo, mas não perdia tempo pensando sobre isso, estava ali para dizer sim às oportunidades que a vida lhe entregava, ainda que durassem uma noite.
    A moça nem era assim tão bonita e nem tinha muitas curvas, onde se pudesse percorrer à vontade. Ela entendia mesmo era de charme. Os olhos negros revelavam a sedução necessária a cada conquista, e o sorriso, esse ocultava suas verdades. Lúcia gostava de ouvir: ouvia tantos desabafos à meia luz de um bar no fim da noite, e depois ouvia os gemidos de um sexo bem feito. Sabia ser amada, sabia exaltar, engrandecer, usufruir... E no final, virava a página.
    O que não sabia mesmo era quem era ela: será que uma prostituta? Não, ela nunca cobrou para isso... Só recebia alguns presentes em gratidão pela noite anterior. É, talvez Lúcia fosse personagem de um livro que todas as mulheres quisessem escrever... E os homens de ler, é claro!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Noite dos mascarados


        Era carnaval. O baile de máscaras era comum na pequena cidade. Apesar de toda a beleza da festa brasileira, naquele lugar, toda a magia do teatro italiano pairava nesses dias, principalmente na terça feira: quando as moças se escondiam atrás da formosa Colombina; e os rapazes podiam escolher entre o romântico Pierrot ou o malandro Alerquim.
      Naquela noite valia tudo. As máscaras revelavam a verdade que a realidade rotineiramente escondia. As pessoas eram o que faziam questão de esconder. Acontecia e acabava ali - porque, apesar de cada um saber da identidade "real" do outro, era terça feira  à noite.
     Era carnaval. E as máscaras caem no carnaval. Hoje eu sou da maneira que você me quer, mas amanhã? Amanhã tudo volta ao normal, seja você quem for, seja o que Deus quiser.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Sobre todas as coisas

Por João Eugênio


Seria não mais que um dia qualquer, não fosse o atrevimento da jovem Cant (sempre coroada de sutilezas que encobriam sua face borrada pela densa maquiagem), que ousou despertar o menino - seu irmão mais novo, Sin, descansava, havia alguns dias e noites, ora acalentado pelas estrelas que percorriam o firmamento em carrossel, ora protegido pela sombra daquela esplendorosa macieira.
Logo ao abrir os olhos, Sin aprumou-se com um contido sorriso e estendeu os braços à irmã (pareciam mãe e filho, tamanha afinidade entre ambos), que não hesitou em despertá-lo ao considerar a saudade que lhe corroia as entranhas.
E percorreram lado a lado um longo caminho pelo campo. Bichos e flores coloriam aquele vale onde jorrava leite e mel, até que um grito ecoou nos ouvidos dos irmãos: CAAAANT!!! (Não era um grito qualquer, soava como uma espécie de moralismo camuflado pelos mais discretos impulsos egocêntricos). E o grito se multiplicava intensamente, como células cancerígenas alastradas por todo o corpo.  

Agora todos estavam gritando: CAAAAAAAAAANT!!!!!!! A jovem moça se rendeu aos gritos, reclinou sua fronte e, voltando-se no sentido oposto a Sin, sussurrou:
- Estou pecando... preciso ir!
- Espere! Por que você me acordou então? Enganarás a ti mesma (e a todos)? Não vê que isso é pecado? Pra que tanta estupidez? E se Deus ficar zangado vendo alguém abandonado pelo amor de Deus? Seja você mesma, Cant! – indagou Sin.
Já distante, a moça (que nem se atreveu a voltar os olhos ao irmão), proferiu em um tom sarcástico que se propagava pelo ar feito singela melodia:
- É exatamente isso que estou fazendo! Ainda não percebeu, querido irmão? É tudo tão simples! Eu sempre fui, sou e sempre serei Cant!
E como se não bastasse, a jovem ousou completar com uma de suas rezas:
- Love you unconditionally!
Nestas circunstâncias, não restou alternativa a Sin senão despertar para o mundo e viver intensamente cada momento de sua vida (agora com a clara convicção de quem era sua tão amada irmã). Cada um por si, cada si por nós e Deus por todos!
- Hipócrita! Não vê que isso é pecado?
- Sim. Isso o que?
Por mais distantes que estejam, Sin e Cant caminharão lado a lado enquanto houver resquícios de tudo o que foi criado.




Link da música